#4 Indicadores de demanda e necessidade como métricas importantes para Análise do Mercado de Trabalho em Saúde
Elaborado por: Alef Santos
Revisado por: Daiane Martins e Daniel Pagotto
Publicado em: 11/06/2024
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o handbook chamado "Strengthening the collection, analysis and use of health workforce data and information: a handbook" (título em inglês), "Fortalecendo a coleta, análise e uso de dados e informações sobre a força de trabalho em saúde" (tradução nossa). O livro é dividido em 18 capítulos e traz uma série de orientações acerca da qualificação do uso de dados e informações para a formulação e gestão de políticas de força de trabalho em saúde mais efetivas.
Dando sequência à nossa série, elaboramos a resenha do capítulo 10: “Data requirements for the analysis of the demand and need for health workers” (título em inglês), “Requisitos de dados para a análise da demanda e necessidade” (tradução nossa), escrito por Gilles Dussault e Amani Siyam.¹
Vamos falar nesta resenha sobre dois elementos: demanda e necessidade. Apesar de parecerem sinônimos, aqui se compreende demanda como o número de trabalhadores que o sistema de saúde comporta em função da capacidade orçamentária. Já a necessidade por força de trabalho em saúde é determinada em função dos serviços que a população precisa. Tais serviços são levantados a partir de aspectos como demografia, epidemiologia, tecnologia, entre outros elementos. Vamos observar detalhadamente como demanda e necessidade podem ser mensuradas.
DEMANDA |
A demanda é definida como "o número de trabalhadores da saúde que o sistema de saúde pode suportar em termos de posições financiadas ou demanda econômica por serviços"² . A partir disso, é possível conceber quais tipos de dados e informações serão necessários, como por exemplo, o tipo e a quantidade de empregos abertos para os trabalhadores de saúde, onde os empregos são oferecidos, os termos de emprego e condições de trabalho.
O guia Contas Nacionais da Força de Trabalho em Saúde³ apresenta uma série de indicadores de diferentes módulos que podem servir para análise de demanda, entre eles, os módulos 1, 5, 6, 7 e 8 conforme pode ser visto na Figura abaixo.
Figura elaborada pelos autores com base no capítulo 10 “Requisitos de dados para a análise da demanda e necessidade” (tradução nossa) do livro Fortalecendo a coleta, análise e uso de dados e informações sobre a força de trabalho em saúde (tradução nossa).
O módulo 1 possui indicadores que permitem aferir o quanto da força de trabalho está sendo empregada, por diferentes tipos de estabelecimentos. Por outro lado, temos o indicador 07 do módulo 5 que representa a demanda que não está sendo atendida, e, quando analisado junto com o indicador 06, pode indicar duas situações: 1) as vagas existentes não são atrativas; ou 2) os profissionais não atendem os requisitos das vagas, ou seja, há uma falta de correspondência entre as competências buscadas por empregadores e disponíveis entre os trabalhadores.
O módulo 6 traz a sugestão dos indicador 01, que é a mensuração padronizada da força de trabalho usando a métrica da força de trabalho equivalente em tempo integral (em inglês, full-time equivalent4), bem utilizada no planejamento da força de trabalho em saúde, tendo em vista que os profissionais da área tendem a ter jornadas marcadas por múltiplos vínculos. O indicador 06 permite capturar as características de relações de trabalho, permitindo verificar como se dá os vínculos de trabalho, inclusive, revelando o quão vulnerável está a força de trabalho em termos de proteção laboral5. Com relação ao módulo 7 temos indicadores relacionados a gastos totais e públicos, tanto em termos de remuneração quanto outros benefícios. Por fim, o módulo 8 fornece uma visão da demanda de profissionais da saúde de forma desagregada por especialidades e categorias.
Outros indicadores recomendados sobre demanda:
- Taxas de utilização de profissionais alternativos (ex. acupunturistas, homeopatas, fitoterapeutas ou curandeiros);
- Decisões políticas relacionadas à força de trabalho do setor público de saúde (indicador qualitativo);
- Processo de tomada de decisão relativo a recrutamento, atribuições, transferências, promoções e demissões (indicador qualitativo);
- Diferenças nas condições de trabalho entre os setores público e privado, incluindo remuneração e aspectos não monetários das condições de trabalho (indicador qualitativo).
NECESSIDADE |
A necessidade pode ser compreendida como o número e o tipo de profissionais da saúde necessários para atender a demanda por serviços de saúde da população. Tais demandas por serviços são aferidas em função das características da população, como demografia, epidemiologia, dentre outros. É difícil definir benchmarks de necessidade compatíveis com todos os países dada a heterogeneidade de cada ambiente. Em alguns países esse problema é notadamente maior, devido às especificidades subnacionais em termos demográficos, socioeconômicos e epidemiológicos.
A necessidade está sujeita a uma noção normativa, diferentemente da demanda que pode ser mais objetivamente avaliada. Para alguns serviços - como cuidado materno e infantil, cuidados a pessoas com diabetes e HIV - a necessidade pode ser mensurada com maior precisão, pois existe um conjunto de protocolos destinados para atender este perfil de pacientes. Outras condições possuem prevalências e protocolos pouco estabelecidos, como saúde mental, o que exige mais esforços para aferição das necessidades.
Você sabe o que torna o estudo da necessidade um desafio? É a sua dinamicidade no horizonte temporal. Vejamos o seguinte exemplo: com o aumento e/ou diminuição de determinadas doenças, a quantidade e tipo de profissionais necessários deverá ser alterada. Um Brasil de 15 anos atrás apresentava um perfil populacional. Atualmente, com uma população envelhecida, conforme o último censo6 , o arranjo de necessidades é outro. Confira na Figura abaixo os módulos com indicadores relacionados.
Figura elaborada pelos autores com base no capítulo 10 “Requisitos de dados para a análise da demanda e necessidade” (tradução nossa) do livro Fortalecendo a coleta, análise e uso de dados e informações sobre a força de trabalho em saúde (tradução nossa).
Em conjunto, as variáveis citadas no módulo 1 e 5 possibilitam analisar a escassez de trabalhadores de saúde, com base em uma análise de oferta e necessidade, desagregados em zonas geográficas e por categorias ocupacionais. Os indicadores 03 e 04 do módulo 9 servem, respectivamente, para aferir a existência de práticas sistematizadas e estruturadas de planejamento da força de trabalho em saúde e verificar a existência de currículos de instituições de ensino alinhados às necessidades da população. Já o indicador 5 mensura a existência de mecanismos ou órgãos responsáveis por definir a quantidade de trabalhadores e por tipo de ocupação a partir de um olhar sobre as necessidades da população.
Outros indicadores recomendados sobre necessidade:
- Porcentagem de domicílios relatando não ter acesso a um médico de família;
- Tempos de espera para acesso a certos serviços (consulta especializada, exames, procedimentos cirúrgicos);
- Proporção de pessoas que necessitam de cuidados de saúde relatando atraso na obtenção de cuidados de saúde nos últimos 12 meses por motivos de disponibilidade de trabalhadores de saúde;
- Porcentagem de pessoas vivendo em vazios de assistência médica;
- Revisão de estudos sobre necessidades de pessoal (indicador qualitativo).
É importante conhecer os fatores que exercem influência sobre a necessidade de serviços, que por vez determinam a necessidade de trabalhadores:
- Perfil demográfico e epidemiológico da população;
- Emergências e crises de saúde, como epidemias, geram novas necessidades em termos quantitativos e qualitativos. (ex: Ebola, COVID-19);
- A tecnologia pode gerar a necessidade de novos tipos de trabalhadores e aumentar ou reduzir a necessidade dos atuais. (ex: telemedicina, e-saúde);
- Fatores culturais;
- Regulamentações (ex: Diretiva de Tempo de Trabalho da União Europeia);
- Fatores políticos.
Analisar o estoque, oferta, demanda e necessidade é um importante passo na compreensão do Mercado de Trabalho em Saúde (MTS), conforme relatados nas resenhas do capítulo 1 "Health labour market analysis". Os indicadores abordados neste capítulo e no de número 2 contribuem para a compreensão do MTS. Um dos desafios é compilar várias fontes de dados, que podem ser acessadas a partir de múltiplas organizações, como: Ministérios e Agências Governamentais, Conselhos e Associações Profissionais, Órgãos de Credenciamento, Instituições de Ensino, Sindicatos, Organizações de Empregadores ou Observatórios de Recursos Humanos em Saúde (HRH).
Notas:
4O Full-Time Equivalent é um indicador que permite a caracterização da carga-horária, dada a heterogeneidade das jornadas e dos múltiplos vínculos dos profissionais de saúde. Calcula-se somando o total de horas efetivamente trabalhados por todas as pessoas ocupadas e dividindo o somatório pela carga horária equivalente ao tempo integral.
Fontes de informações:
¹Siyam. A, Nair, T.S, Diallo, K. Dussault, G. (2022). Strengthening the collection, analysis and use of health workforce data and information: a handbook. World Health Organization. Geneva. Disponível em: <https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/365680/9789240058712-eng.pdf?sequence=1>
²Scheffler. R, Cometto. G, Tulenko. K, Bruckner. T, Liu. J, Keuffel. E.L, Preker. A, Stilwell. B, Brasileiro. J, Campbell. J. (2016). Health workforce requirements for universal health coverage and the Sustainable Development Goals. Background paper N.1 to the WHO Global Strategy on Human Resources for Health: Workforce 2030. Human Resources for Health Observer Series No 17. World Health Organization. Disponível em: <https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/250330/9789241511407-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y>
³Organização Pan-Americana da Saúde. (2020). Contas Nacionais da Força de Trabalho em Saúde: Um Manual. Brasília. Disponível em: <https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52728/9789275722848_por.pdf>
4European Commission, International Monetary Fund, Organization for Economic Co-operation and Development, United Nations & World Bank. (2008). System of National Accounts. Disponível em: <https://unstats.un.org/unsd/nationalaccount/docs/sna2008.pdf>
5Vieira, L. A., Caldas, L. C., Gama, M. R. de J., Almeida, U. R., Lemos, E. C. de ., & Carvalho, F. F. B. de. (2023). A Educação Física como força de trabalho do SUS: análise dos tipos de vínculos profissionais. Trabalho, Educação e Saúde, 21, e01991210. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs01991
6Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2023). Censo 2022: número de pessoas com 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% em 12 anos. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos>